Fig. 1. Stéfani Agostini, Alma Mater, 2018. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

 

Figurar ausências:

uma poética em pintura no campo expandido

Figuring Absences: Poetics in Paintings in the Expanded Field

 

 

Stéfani Trindade Agostini y Altamir Moreira

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria (Brasil)

tefiago_@hotmail.com

https://orcid.org/0000-0002-3039-9505

 

 


 

Resumo

O presente artigo trata das reminiscências da mãe ausente como a gênese de uma poética em Artes Visuais. Tem como objetivo analisar as abordagens utilizadas no processo para figurar a ausência materna na pesquisa poética em desenvolvimento no mestrado em Artes Visuais da UFSM. Os métodos empregados compreendem técnicas digitais e analógicas, como a monotipia associada ao papel artesanal. A partir de uma abordagem autoetnográfica, utiliza como técnica de pesquisa o diário visual para subsidiar o desenvolvimento de projetos figurativos. A descrição do processo que concebe as figurações da ausência, permite a compreensão da origem das obras e dos procedimentos que emergem da história pessoal de abandono materno.

Palavras-Chave: arte contemporânea; processo; campo expandido da pintura; monotipia; ausência; materno.


Abstract

This article investigates the reminiscences of an absent mother as the genesis of poetics in visual arts. Its purpose is to analyze the approaches that are used in the process of figuring out the absent mother figure in poetic research during the completion ofa master’s in Visual Arts from Universidade Federal de Santa Maria, UFSM (Federal University of Santa Maria, FUSM). The methods employed in this research include digital and analogical techniques such as a monotype associated with handmade paper. From an autoethnographic approach, I use as aresearch technique a visual diary to subsidize the development of figurative projects. The descriptive process which establishes the symbolism of an absent mother figure allows the understanding of the origins of the works, and the procedures that root from personal experiences of the missing mother figure.

Keywords: contemporary art; process; painting in the expanded field; monotype; absent; maternal.

 

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

 

Cómo citar este trabajo / How to cite this paper:

Agostini, Stéfani Trindade, y Altamir Moreira. “Figurar ausências: uma poética em pintura no campo expandido.” En No solo musas. Mujeres creadoras en el arte iberoamericano. Monográfico Atrio 1, editado por Eunice Miranda Tapia, 128-41. Sevilla: Universidad Pablo de Olavide, Atrio, 2019.

© 2019 Stéfani Trindade Agostini y Altamir Moreira. Este es un artículo de acceso abierto distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution-NonCommercial-ShareAlike 4.0. International License (CC BY-NC-SA 4.0).



 

 

Introdução

Figurar, traçar a imagem, o contorno, representar através de meios pictóricos. A partir da experiência pessoal de abandono materno, busco modos de figurar a ausência, tendo como gênese o arquivo de fotografias, os documentos e as cartas – todos herdados da mãe ausente. Na criação desta poética, ainda em construção, utilizo processos digitais, associados a processos analógicos. Diferentes práticas e procedimentos perpassam a poética, desde a manufatura do suporte, membrana que conduz as figurações da ausência materna, até a monotipia, associada à meios digitais e compreendida como parte do campo expandido da pintura. Tendo em vista estes elementos, nesse artigo, viso, portanto, discutir os métodos utilizados no estudo artístico em desenvolvimento.

 

Ancorada à metodologia autoetnográfica, que pode ser considerada uma narrativa de si, para si e para os outros, a pesquisa tem o diário de bordo como principal ferramenta. A experiência pessoal, dessa maneira, torna-se força motriz para a criação de “[...] uma obra da ausência que vai e vem, sob nossos olhos e fora de nossa visão, uma obra anadiômena da ausência [...].”1 Assim, a investigação acerca do processo busca compreender a dimensão simbólica do trabalho em desenvolvimento. A pesquisa evidencia, portanto, a parte invisível da criação artística, os subsídios teóricos, os aspectos subjetivos e os procedimentos que instauram a poética do abandono materno.

 

Figurar o que está ausente, tornar presente o que não é, o que falta, é um processo paradoxal. Confrontar-me com a ausência materna é, também, confrontar-me com os sinais da presença nas reminiscências herdadas. Compreende-se a ausência e a presença como conceitos indissociáveis, onde o ausente pode ser percebido através do presente. Logo, a monotipia é gesto semelhante ao descrito por Plínio, o Velho, como origem da pintura para os gregos: o momento em que a filha do ceramista Dibutades de Sicyone, apaixonada por um jovem que estava de partida, com o desejo de preservar a figura amada, contorna, com o auxílio de uma chama, a sombra do homem sobre a parede.2 A presentificação da ausência, que ocorre através do processo, e se na obra finalizada, é esta tentativa de possuir a presença da figura amada em sua falta.

 

A busca por uma representação da ausência é um dos temas mais recorrentes na arte contemporânea.3 À vista disso, esse artigo descreve os processos utilizados para figurar a ausência materna, articulando prática e teoria, ao discorrer acerca das reflexões e dos critérios que originam os procedimentos. Estas duas dimensões intervêm de maneira vantajosa uma sobre a outra. Na contemporaneidade, segundo Rey,4 com a liberdade adquirida para criação, se faz cada vez mais necessário que o artista compreenda e possa transmitir a dimensão conceitual de seu processo. Posto isso, passamos a apresentar as dimensões prática e teórica que instauram a poética da ausência.

 

Do abandono materno e da gravidez precoce, aos dezesseis anos, restaram somente as fotografias de quando criança. Essas chegaram até mim por intermédio da avó materna, e permitiram que eu identificasse a mãe infante. Pelo arquivo, que compreende não imagens, mas cartas, documentos e cartões, pude apreender a figura materna em meu imaginário, imagens que também eram concebidas por intermédio das narrativas que cada um de seus objetos suscitava e que me eram contadas por minha avó. O reconhecimento da condição de filha abandonada e a visualidade do imaginário criado em torno da figura materna passaram a ser interesse da prática artística. A pesquisa, iniciada no curso de Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Santa Maria, em 2017, continua a se desdobrar, no presente, no Mestrado em Artes Visuais, realizado na mesma instituição.

 

 

 

A imagem materna

Com a aproximação do campo da gravura, iniciei a manufatura de suportes utilizando trapos de linho e algodão como matérias primas. Tendo como ponto de partida os primeiros experimentos com o papel, desenvolvidos no projeto intitulado Papel artesanal manufaturado a partir de trapos (FIEX-UFSM), passei a investigar, dentre as linguagens da pintura e da gravura, as técnicas que mais tivessem afinidade com o papel manufaturado. A monotipia com impressões a jato de tinta, técnica com a qual tive contato pelo trabalho da artista e pesquisadora Jociele Lampert (1977),5 foi a que mostrou melhores resultados. A partir desta, passei a imprimir as primeiras imagens maternas sobre o papel de trapos, ainda sem manipulá-las digitalmente.

 

Em seguida, sobre as imagens transferidas para o papel de trapos, passei a interferir de modo manual: neste processo, a mãe infante era de algum modo subtraída, recortada ou rasgada de seu fundo, e apenas sua figura era utilizada. Criava colagens com as imagens recortadas, associando as partes e as justapondo no espaço. A imagem materna era elucidada enquanto uma imago, que atualmente é considerada, na pesquisa, como uma apresentação da ausência,6 sendo a ausência tecida por nossa presença. No entanto, durante a graduação, o termo imago era empregado segundo as perspectivas de Carl Jung,7 que o utilizou em 1912, antes de arquétipo. Os trabalhos desenvolvidos no período da graduação, enquanto imagos, eram considerados imagens do interior da psique, advindas de duas fontes: da influência dos pais e das relações da criança, estando estas entre o consciente e o inconsciente.

 

Fig. 2. Stéfani Agostini, Cama de Gato (Manjedoura), 2018. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Ao observar os álbuns herdados pela mãe ausente, percebi que minha avó tinha o costume de recortar a figura da mãe infante e descartar o restante da imagem, armazenandoa, de modo isolado, nos álbuns. Através de softwares de edição de imagem, passei a explorar as possibilidades de subtração das figuras digitalmente. As fotografias eram, então, editadas e adaptadas à impressão por transferência. Ao trabalhar com a figura materna de modo individual, configurava imagens com o uso de outras reminiscências. Muitas vezes, associava imagem e palavra escrita por meio da justaposição de figuras e palavras de cartões, cartas e documentos. Criava, assim, novas composições a partir de distintas narrativas que integravam o imaginário materno.

 

A noção de imago desenvolvida na pesquisa anterior foi fundamental, pois, através dela, surgiram os conceitos e as definições próprias da investigação atual em torno da ausência. Passei a compreender as imagens maternas herdadas como fragmentos, reminiscências de uma presença, o traço de uma perda, a marca presente de uma ausência.8 Além disso, considerei a fotografia tanto como uma presença afirmando ausência, quanto como uma ausência afirmando a presença.9 Deste modo, o processo criativo em desenvolvimento, que envolve as lembranças herdadas, é forma de ter a ausência como meio que permite buscar a presença. Ausência e presença são um “a sombra irrefutável do outro.”10 Afirmar a ausência pressupõe que antes existiu a presença. Na pesquisa, portanto, um conceito é sempre perpassado pelo outro, são indissociáveis.

 

Nascia a problemática de materializar a ausência. Revisando as imagens do arquivo materno com as quais havia trabalhado, pude me deparar novamente com a parte remanescente destas, de onde subtraía a figura da mãe infante. Na silhueta faltante na imagem, agora preenchida somente pelo vazio, vislumbrei um modo de figurar a ausência. Anne Cauquelin relaciona o branco ao minimalismo, afirmando que “[...] é o branco sob todas as formas, é o signo do nada, do vazio.”11 Com a realização das primeiras monotipias, a partir das fotografias de onde a figura materna era retirada, o branco do suporte manufaturado, através de trapos, era evidenciado e contrastava com a saturação do que o circundava. A experiência pessoal de abandono materno, o vazio deixado pela mãe ausente, parecia ter encontrado um modo de ser evocado de maneira mais nítida.

 

 

 

Figurações da Ausência

As primeiras experimentações, realizadas durante o período da graduação, eram imagos que falavam da ausência, mas pareciam não a explicitar de modo evidente. A primeira tentativa foi, em um movimento contrário, utilizar o restante da imagem recortada, na qual o lugar da figura materna era ocupado pelo vazio. Sob a ausência figurada sobre o suporte, por meio do espaço deixado propositalmente em branco na imagem, está a presença materna. Esta é considerada, nesta pesquisa, não como uma simples representação da ausência, mas como sua materialização. O branco do suporte não impresso, onde reside a figura materna ausente, tem, portanto, grande relevância. Ainda segundo Cauquelin, o branco expõe de maneira sensível a presença de uma ausência deliberada; ele evoca a presença na ausência, tornando visível a ausência de visibilidade.

 

 

Fig. 3. Stéfani Agostini, Projeto para obra Figuração I, 2019. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

O gesto da filha do ceramista Dibutades de Sicyone, ao contornar a sombra, com o intuito preservar a figura amada, foi considerado a origem da pintura, do relevo e de todas as artes que dependem da linha e da sombra. Debray, ao discorrer sobre o princípio da pintura, tendo como marco a história de Plínio, afirma que este gesto é uma representação que tenta tornar presente o ausente. A figura desenhada sobre a parede não busca apenas evocar, mas substituir, preencher uma carência: “Assim pintada e esculpida, a imagem é filha da saudade.”12 A produção de imagens é tentativa de um prolongamento da presença em ausência.

 

Ao mesmo tempo, por considerar relevante a condição de abandono materno que me precedeu, tornava-se necessário eleger, dentre o arquivo herdado, as imagens onde a relação mãe-filha se fizesse mais evidente. Isso se devido à tomada de conhecimento do fato que a ausência me antecede: minha mãe também fora abandonada. Meus avós maternos, na impossibilidade de conceberem um filho, recorreram a um casal de amigos que conheciamuma jovem grávida, que não queria a criança. Eles a auxiliaram financeiramente no período da gravidez, e, após o nascimento, meus avós a registraram como filha legítima, fato que ela desconhecia até atingir os treze anos. Isto, somado a sua gravidez ainda na adolescência, como aponta a bibliografia deste tema, corrobora para o abandono materno, como o que ocorreu.

 

Mães com histórias de abandono e negligência em suas vidas pregressas tendem a repetir tal característica em suas experiências maternas. Deste modo, o abandono se reproduz de geração em geração, ou seja, o abandonado abandona.13 Para Stevens, Nelligan e Kelly,14 a imaturidade materna é um dos fatores determinantes para que haja o abandono. Os autores apontam que, em suas pesquisas, a maioria das mães abandonantes eram adolescentes.

 

O abandono parental é um tema recorrente, desde a Antiguidade, em diversos relatos históricos e mitológicos. Ao atentar a estes fatos, determinantes para a ocorrência deste fenômeno, não na história pessoal, mas na sociedade como um todo, foram eleitas, a princípio, doze fotografias, onde minha mãe é retratada com minha avó. A partir destas imagens que foram editadas, puderam ser realizados os primeiros projetos digitais.

 

 

 

Técnicas e Procedimentos

O papel manufaturado artesanalmente é a primeira parte do processo de criação das figurações da ausência, sendo ele que materializa e corpo ao que estava ausente. A manufatura do papel com trapos de linho e de algodão é semelhante às técnicas de papel artesanal com outras fibras. O processo consiste na seleção e no corte dos trapos em pequenos pedaços, que são batidos até as fibras se dispersarem. As fibras são despejadas em um grande recipiente com água, agitadas e levantadas com a ajuda de uma tela. Em seguida, a folha é seca com a ajuda de esponjas, para, por fim, ser prensada. A manufatura do papel artesanal resulta sempre em folhas desiguais, onde as ranhuras e os defeitos acabam por integrar a imagem final que sobre ele é impressa.

 

Fig. 4. Stéfani Agostini, Projeto para obra Figuração II, 2019. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Compreendido como a tênue membrana que evoca o ausente, o papel artesanal manufaturado, através de trapos de algodão, é suporte, mas, ao mesmo tempo, parte fun damental do trabalho. O trapo, fonte da fibra utilizada na confecção do papel, é metáfora do corpo que ali esteve presente. O papel, tradicional suporte durante a História da Arte, é considerado nesta pesquisa para além de sua habitual função. Ele é parte viva e integrante da obra. O interesse em produzir o próprio suporte remete também à questão de origem. ‘Origemsignifica, aqui, aquilo a partir do qual, e pelo qual, algo é aquilo que é e como é. Aquilo que é, (sendo) como é, chamamos a sua essência. A origem de algo é a proveniência da sua essência.”15 Ou seja, a presença materna é origem, é o primeiro lugar para ser, pois é dele que o sujeito depende totalmente, no início.

 

 

 

 

Fig. 5. Stéfani Agostini, Figuração I, 2019. Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil.

 

A monotipia, que foi associada ao papel de trapos ao longo do processo, por sua vez, é uma técnica de impressão relativamente simples, por meio da qual consegue-se a reprodução de uma fotografia, desenho ou mancha de cor em uma prova única. Apesar de datar do século XVIII, é recente a aceitação desta dentre as outras formas de arte.16 Sua classificação dentre as linguagens de arte é controversa: alguns teóricos e historiadores a consideram uma técnica de gravura,17 e outros de pintura.18 Entendida nesta pesquisa enquanto desdobramento da pintura, e parte de seu campo expandido, é pela monotipia que a imagem surge, enquanto meio de transferência, por pressão, da tinta depositada sobre um meio provisório, para o suporte definitivo. A técnica empregada nesta investigação consiste em imagens impressas sobre uma lâmina para retroprojetor por intermédio de uma impressora jato de tinta.

 

Fig. 6. Stéfani Agostini, Figuração II, 2019. Santa Maria. Rio Grande do Sul, Brasil.

 

Em primeiro lugar, as imagens escolhidas para a pesquisa são trabalhadas digitalmente em programas para edição de imagens. A fotografia passa por ajustes de cor, contraste e saturação. Quanto mais saturada a imagem digital, mais nítida será a impressão, sem que se percam as cores originais, uma vez que mais tinta é liberada pela impressora. A figura materna é subtraída digitalmente da imagem. Esta é, então, dividida em partes, de acordo com o projeto. Cada módulo é impresso sobre uma destas lâminas. A impressão sobre a lâmina de acetato, ainda molhada, é colocada sobre a folha de papel de trapos, previamente umedecida com água, com a ajuda de um pulverizador. A impressão e o papel são passados por uma prensa calcográfica. Por fim, a lâmina de acetato é retirada e limpa, podendo ser utilizada novamente.

 

O processo de transferência permeia tanto a prática quanto a dimensão teórica da pesquisa, ao compreendê-la não como uma reprodução, mas como transferência do papel materno, passado da mãe para as avós. As avós costumam fazer-se presentes na vida dos netos também pela transmissão de histórias de vida e informações,19 tal qual ocorreu na minha história pessoal. Agem minimizando a ausência das mães,20 muitas vezes assumindo o papel das mesmas. Às avós, tanto materna quanto paterna, foi transferido o papel da mãe ausente.

 

Após a transferência da imagem com a ajuda da prensa, ocorrem os processos ma- nuais de constituição dos trabalhos. Pela limitação de dimensionamento, imposta tanto pela impressora (que imprime em tamanho A4) quanto pela prensa, trabalha-se com módulos para a montagem de trabalhos maiores. O tamanho final eleito foi o tamanho A1, o que implica na divisão da imagem original em oito módulos de tamanho A4. Realizada a impressão de cada uma das oito partes, os módulos são montados, colocando suas partes justapostas pelo seu avesso. Ainda, são retiradas as rebarbas de papel e, duas a duas, as partes são agrupadas com cola de goma arábica. Os trabalhos que não são divididos em partes são igualmente colados com a goma, pois também são impressos em partes.

 

As experimentações em formato expandido, intituladas provisoriamente de figurações da ausência materna, na prática, comportaram-se como o projetado. Um dos obstáculos encontrados foi o modo de unir os módulos, visto que, por estarem em formato A1, os trabalhos ficaram mais pesados, fazendo com que a goma, por vezes, não conseguisse manter as partes unidas. De toda forma, por ora, a associação da técnica e do suporte manufaturado, a partir de trapos, tem se mostrado profícua. A interação entre as variáveis criadas nas relações entre a prensa e matriz, tinta e papel, imagem e impressão, possibilitam a criação de uma repetição de técnicas que sempre geram uma diferença. O trabalho porvir, portanto, se concentrará na resolução das problemáticas apontadas, bem como a exploração de todas as variáveis criadas na relação entre cada um dos procedimentos e materiais.

 

 

 

Considerações Finais

O processo de criação que se desdobra sobre as reminiscências maternas continua a reverberar de formas distintas. Ao procurar evidenciar esta potência inerente à materialidade de cada processo, estes acabam por dar corpo ao ausente. A dor do abandono passa a ser transfigurada em uma busca pela presença que se em forma de poética em Artes Visuais. A criação desta série em processo, que será composta por doze trabalhos, tem o intuito de experimentar o que as variáveis criadas na associação destas técnicas digitais e analógicas ainda podem proporcionar. São inúmeros os procedimentos empregados, desde a escolha do insumo para o feitio do suporte, a edição das fotografias em meio digital, até a transferência, que acabam por afetar e caracterizar a imagem final. Suas visualidades se perpassam e, por mais que se projete, o resultado é sempre inesperado.

 

O medium da obra é que substitui o corpo por meio de um processo simbólico.21 Assim, o papel de trapos de algodão é fundamental para que seja figurada a ausência materna. Atentando igualmente para sua singular materialidade, privilegia-se uma expografia que o evidencie, ao abandonar a caixa ou a moldura que encerra o papel. A monotipia, associada à este suporte, e compreendida como pintura, é, como citado anteriormente, tentativa de possuir a presença da figura amada em sua falta. Seus fragmentos vivos em meu imaginário materno, em um processo autoetnográfico, são reunidos, recriados e concebidos para que sua ausência presentifique-se. A mãe infante, subtraída da fotografia e preenchida pelo vazio, é oportunidade para que sua ausência se teça em nossa presença.

 

A maneira encontrada para se figurar a ausência materna na pesquisa em desenvolvimento, portanto, preza por fazê-lo de modo mais nítido. Isto evidencia-se também pela escolha das imagens onde a relação mãe-filha é ressaltada. A condição da ausência, que se perpassa através de minhas genitoras, é condição para que este fenômeno, com origem no social, alcance esta alteridade que a própria metodologia empregada preza. Além disso, a dissertação acerca do processo possibilita uma compreensão dos conceitos que instauram e alicerçam a obra. Cada procedimento empregado origina-se em aspectos da história pessoal, como a manufatura do suporte relaciona-se à origem, e a transferência da imagem à trans- ferência do papel materno que passa da mãe para as avós. Claro, sem, com isso, explicitar tudo o que instaura a poética, para que ainda se permita, como a arte contemporânea preza, a possibilidade de criarem-se outras significações.

 

 


                                 1.   Georges Didi-Huberman, O que vemos, o que nos olha (São Paulo: Ed. 34, 1998), 148.

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                                 5.   Referência à produção da artista que trabalha com a mesma técnica de monotipia. No trabalho apresentado é trazida a data de nascimento da autora, como uma forma de abranger sua obra, em geral.

                                 6.   Nancy Jean-Luc, Forbidden Representation. The ground of the images (New York: Jaff Ford, 2005).

                                 7.   Carl G. Jung, Os arquétipos e o inconsciente coletivo, vol. IX/I (Petrópolis: Vozes, 2000). (Texto original publicado em 1934).

                                 8.   Jean-Pierre Mourey, Figurations de l’absence: Recherches esthétiques (Université de Saint-Étienne, Travaux LX, Centre In- terdisciplinaire d’Études et de Recherches sur l’Expression Contemporaine (CIEREC), 1987).

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                               19.   Elaine Pedreira Rabinovich e Lúcia Vaz de Campos Moreira, Significados de família para crianças paulistas,” Psicologia em Estudo, v. 13, no. 3 (2008): 447-55.

                               20.   Thelma Simões Matsukura e Juliana Archiza Yamashiro, Relacionamento intergeracional, práticas de apoio e cotidiano de famílias de crianças com necessidades especiais,” Revista Brasileira de Educação Especial, v. 18, no. 4 (2012): 647-60.

                               21.   Hans Belting, “Image, medium, body: A new approach to iconology,” Critical inquiry, v. 31, no. 2 (2005): 302-19.

 

 

 

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Fecha de recepción: 25/06/2019

Fecha de aceptación: 02/09/2019